Sobre o bem e o mal
Como dois lados de uma moeda, o bem e o mal se
implicam mutuamente, negam-se, misturam-se distinguem-se, convivem em complexa
relação.
Olhando-os em separado, eles podem ser associados cada
qual com um conjunto de afetos, sentimentos, atitudes e valores. Ao bem se
vinculam o amor, a compreensão, o companheirismo, a caridade, o perdão, a
abundância, a disposição em ajudar, a realização de ações que beneficiam o
outro e suscitam no sujeito da ação sentimentos de bem-estar, satisfação, alegria,
plenitude. Ao mal, por outro lado, vinculam-se o ódio, a vingança, a
incompreensão, o golpe mortal, a inveja, a trapaça, o roubo, a miséria, o
desejo de fazer sofrer, a realização de ações que destoem o outro e geram
desarmonia, desequilíbrio, infelicidade, desassossego, desunião, aniquilamento.
Tomados, porém, em sua dinâmica relação no interior da
existência humana, a aparência dualista se desfaz e, em sua essência, o bem e o
mal são elementos que compõem uma unidade na qual eles podem se apresentar com
nuances nem sempre percebidas à primeira vista.
No conto de Guimarães Rosa, “A hora e a vez de Augusto
Matraga”, a personagem-título mata o bandido que quer assassinar uma família
inteira; no combate com o facínora, também ele morre, mas morre feliz. Teria
feito o bem? Ou seria um mal o que fizera? Para a família ameaçada teria sido,
muito provavelmente, além de um grande alívio, um bem incomparável, mas para a
família do bandido, talvez tenha sido um grande e irreparável mal. Oproprio
MAtraga fora considerado um homem mau durante uma fase de sua vida; depois
mudou seu comportamento, optando pelo assim chamado “caminho do bem”. Mas,
ainda assim, depois da suposta conversão, há um momento em que se sente tentado
a acompanhar as façanhas de malévolas intenções do bando de Joãozinho Bem-Bem,
o mesmo bandido a que m matou ao final de sua vida. Na mesma pessoa de Matraga, o bem e o mal se
manifestam.
Se Matraga pode ser considerado como a simbologia do
homem universal, então podemos argumentar, considerando sua história, que o
homem, ao constituir-se como um ser humano, convive com as possibilidades de
enfrentamento de situações que o colocam entre o bem e do mal e com todos os desafios
que lhes são postos em cada escolha que fazem.
Stela Miller
Marília, junho/2012.