segunda-feira, 17 de setembro de 2012


Livre trânsito

A possibilidade de ser o que sou, mas também ser Outra flutua entre o assustador e o encantamento. Luz e trevas caminham lado a lado e, às vezes, se cruzam, resultando tons cinza como madrugada de filme em preto e branco. É nessa sobreposição de tons que me acho e me encontro e encaro o espelho. Mas a imagem refletida não traz o rosto conhecido. Traços duros, olhos acesos, nariz adunco, queixo proeminente e um esgar de maldade no canto distorcido da boca. Completamente em transe me deixo levar e atravesso o limiar tênue que divide o bem e o mal. A Outra tudo pode, porque não se submete, porque não peca, porque não teme. E, por assim ser, transita plácida pelo submundo do crime premeditado. O punhal afiado, o corpo inimigo, o doce encontro dos dois... o jorrar do sangue... o tapete encharcado... o olhar sem vida... o prazer do dever cumprido. Fome! O levantar e descer do punhal resulta em fome avassaladora.
A luz incide na superfície do espelho indicando o fim do transe. Agora, a moldura encerra quadro com cena horripilante de corpo, sangue, tapete, punhal. Onde o espelho? Onde a Outra?
Abro a geladeira e me abasteço com o que há de melhor. O suor teima em escorrer pela face. Com gesto suave, deslizo os dedos para deter as gotas que mancham minha mão e o branco guardanapo de um vermelho vibrante...

Maria Ivone Pandolfi
10/05/2012

Nenhum comentário:

Postar um comentário

Quem sou eu

Minha foto
Nosso Grupo de Leitura atualmente apresenta a seguinte formação: Iraci - Existencia; Ivone - Inspiração; J.C. Caetano - Reinvenção; Dirceu - Questionamento; Orciza - Reflexão; Sonia - Articulação; Elci - Entendimento; Cássia - Cordialidade; Dade - Criação; Vera - Saudade; Simone - Aquela que ouve!

Seguidores