quinta-feira, 12 de novembro de 2009

Minha Infância

Queridos amigos, da OFICINA DE LEITURA, a propósito do tema INFÂNCIA,
empresto de E. Allan Poe as palavras necessárias para dizer a vocês um pouco do que foi minha meninice:

"Não fui, na infância, como os outrose nunca vi como outros viam. Minhas paixões eu não podia tirar de fonte igual à deles; e era outra a origem da tristeza, e era outro o canto, que acordavao coração para a alegria. Tudo o que amei, amei sozinho. Assim, na minha infância, na albada tormentosa vida, ergueu-se, no bem, no mal, de cada abismo, a encadear-me, o meu mistério. Veio dos rios, veio da fonte, da rubra escarpa da montanha, do sol, que todo me envolviaem outonais clarões dourados; e dos relâmpagos vermelhosque o céu inteiro incendiavam; e do trovão, da tempestade, daquela nuvem que se alterava, só, no amplo azul do céu puríssimo, como um demônio, ante meus olhos.” E. Allan Poe.


SER COMO OS OUTROS, eu aprendi a ser mais tarde. Bem mais tarde. O MEU VER, ainda é um pouco diferente dos outros.
Antes era muito diferente. Onde outros viam formigas destruindo plantas, eu via uma multidão ocupada com o seu dever de casa.
Eu amava e ainda amo pessoas e coisas que às vezes não são bem quistas.
Ainda sou triste. Minha pouca alegria, vem de coisas simples.
Alegro-me com o canto dos pássaros, o barulho das águas e pedras, o sorriso dos amigos, coisas que para muitos não passa de tontice.
Assim como na infância, ainda amo sozinha, pessoas e coisas que só eu vejo – os sacis, por exemplo.
Meu bem e meu mal sempre vieram das minhas paixões.
Na infância, paixão pelo prazer infinito da meditação sob as árvores e a queda das águas da cachoeira. Paixão pelas sonecas em baixo dos cafeeiros, pelas brincadeiras sob a chuva e enxurradas. Gozo infinito me trazia o encantamento das visões cinematograficamente a mim mostradas, pelas nuvens transformantes, ora em anjos ora em assombrações.
Não posso fazer de conta que não me lembro com alegria e saudade, das brincadeiras com outras crianças. Ainda guardo os momentos felizes das rodas cantadas, do esconde-esconde, do passar anel, do jogo de versos repentinos e improvisados, do pular amarelinha, do brincar de casinha, rezar missas e batizados de bonecas. Também brincávamos de caçar passarinhos com arapucas, pescar lambaris com peneiras, amarrar borboletas com fios de linha e fazê-las voar, esconder gatinhos novos só pra ver a mãe gata resgata-los. Fazer corridas de laranjas nos barrancos, roubar melancias e espigas de milho em nossas próprias roças também era bastante divertido, desde que fossem consumidos longe de casa.
Mas eram as brincadeiras solitárias as minhas preferidas.
Correr pelo meio do cafezal pulando as leiras e os pés de feijão
Pular as cercas e ganhar o descampado correndo atrás dos atrevidos bichinhos do mato. Subir nas árvores em busca não só das frutas como do prazer imensos de comê-las lentamente longe de outras pessoas. O paladar e o cheiro delas nestas ocasiões são inigualáveis e inesquecíveis. Eram degustadas ao compasso do balanço dos galhos que muitas vezes se quebravam e me obrigavam a esconder os arranhões da queda. Tão bom quanto isso era brincar nas enxurradas das chuvas de verão e lambuzar-me toda de barro escorregando pelos barrancos molhados, mesmo sabendo que depois vinha as lambadas de levantar vergão.
Até hoje, me trazem um certo prazer, as lembranças das surras bem dadas, por causa do meu “tempo perdido” com divagações, exposição aos perigos de quedas, afogamentos e picadas de bichos peçonhentos bem como, uma pré-disposição aos esquecimentos das tarefas domésticas infantis. Deus queira que isso não seja confundido com doença ou desvio de personalidade.
Eis meus amigos, um pouco de mim.

Marília, 03 de novembro de 2008.
Iraci Pereira Mesquita de Melo.

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