Tempo e memória
Acabara de chegar em casa. Nem bem entrei com o carro na
garagem quando a caminhonete estacionou e saiu um rapaz que logo reconheci. Era
ele quem viera de manhã entregar o jogo de mesa e cadeiras que eu havia
comprado no sábado. Comentei que não sabia como me desfazer da mesa e cadeiras
antigas e ele se propôs a me ajudar. Conhecia pessoas que aceitariam ficar com
elas. Combinamos que ele passaria mais tarde para levar.
_ Moça, falei com sua
mãe hoje de manhã. Vim buscar a mesa e cadeiras que ela vai doar.
Um pouco surpresa, eu lhe disse que era comigo mesma que ele
tinha falado. Ele ficou meio sem graça, mas logo retrucou que ainda bem que me
confundira com minha filha. Enfim, em questão de horas consegui remoçar décadas
sem recorrer a cirurgia plástica, aplicação de botox ou a qualquer uma das
artimanhas que proliferam no mercado dos produtos cosméticos. Contudo, essa
simpática confusão criada pelo moço não muda o fato de que já alcancei o status
de idosa.
Esse pequeno acontecimento tão banal que vou chamar de
engraçado aconteceu há pouco tempo, não me lembro quando. Preciso ver o recibo
da compra. Estou numa idade em que a memória (ou a perda dela) é motivo de
preocupação. Onde é que estacionei o carro ou será que desliguei o forno são
perguntas que não fazia até bem pouco tempo atrás, mas que hoje são
recorrentes. Vivemos agora assombrados com o fantasma do Mal de Alzheimer; é o
preço que pagamos pelo aumento da expectativa de vida.
Mas não fiquemos desanimados porque Leandro Karnal, com sua
habitual e divertida ironia, em sua palestra sobre a utopia da melhor idade,
aponta uma saída para isso. É só adotarmos uma dieta à base de pururuca e
pastel de feira que a ameaça dessa doença tão comum hoje em dia desaparece.
Enfim, acho que divaguei um pouco na tentativa hercúlea de
escrever este texto que pretende ser uma crônica. Porém, se não for, não tem a
menor importância. Tenho certeza de que o Estatuto do Idoso me assegura o
direito de não saber escrever crônicas. Afinal estou na idade que pode não ser a
melhor, mas que não precisa ser a pior, apesar da terrível dor nas costas que me
acomete ao finalizar, como se dizia no meu tempo, estas mal traçadas linhas.
Cristina Saito
Cristina Saito
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